Governo da Geórgia busca “Lei Russa” e se distancia do Ocidente
A Geórgia, uma ex-integrante da União Soviética, vive já há
três semanas uma onda de protestos e de instabilidade política devido a uma proposta
que tramita no Legislativo do país e que foi apelidada de “Lei Russa”.
Esta semana, foi aprovado em segunda votação um projeto de
lei para forçar ONGs, grupos de direitos civis e meios de comunicação a se registrarem
como “agentes estrangeiros” se mais de 20% do seu financiamento vier do
exterior.
A inspiração é a Rússia, onde o ditador Vladimir Putin há
anos utiliza esse rótulo para perseguir grupos da sociedade civil e a imprensa
que contestam ações do seu governo.
A lei da Geórgia precisa ser aprovada em terceira votação para
seguir para sanção da presidente Salome Zurabishvili. Ela prometeu vetar a
proposta, mas o partido Sonho Georgiano, do primeiro-ministro Irakli
Kobakhidze, tem cadeiras suficientes no Parlamento para derrubar o veto.
No ano passado, o partido governista havia apresentado um projeto de lei quase idêntico, cuja tramitação foi interrompida após grandes manifestações. Agora, tenta novamente emplacar a proposta.
O Sonho Georgiano alega que a lei de “agentes estrangeiros” vai
aumentar a “transparência” sobre o financiamento de entidades e da imprensa da
Geórgia, mas a oposição e ativistas acreditam que a legislação serviria para
censurar vozes discordantes, a exemplo do que acontece na Rússia.
A reação à “Lei Russa” expõe as divisões na sociedade
georgiana. Na noite de terça-feira (30), 63 manifestantes foram detidos na
capital, Tbilisi, e seis policiais ficaram feridos, num protesto reprimido com canhões
de água, gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral e balas de borracha. No dia
seguinte, quando houve a segunda votação do projeto de lei, parlamentares
trocaram socos.
Levan Khabeishvili, do partido oposicionista Movimento
Nacional Unido, fez um discurso no plenário com o rosto cheio de hematomas e
curativos.
“Olhem para mim! O que vocês estão vendo, essas marcas no
meu corpo, são marcas que foram feitas pela Rússia. Infelizmente, muitos jovens
acordaram hoje com as mesmas marcas. Provavelmente vocês [parlamentares governistas]
estão felizes por me ver ferido, mas eles [polícia] estavam perseguindo seus
filhos”, disparou.
Os Estados Unidos e a União Europeia pedem que a tramitação do
projeto seja interrompida.
A disputa ocorre num momento que a Geórgia, candidata a
ingressar na União Europeia e na OTAN, se vê dividida entre correntes políticas
pró-Ocidente e a aproximação do Sonho Georgiano, antes um partido simpático à
Europa, com a Rússia.
Em um artigo para o site Foreign Policy, Luke Coffey,
pesquisador sênior do think tank americano Instituto Hudson, lembrou que
membros do regime russo, como o chanceler Sergei Lavrov, elogiaram o projeto de
lei de “agentes estrangeiros” da Geórgia e que o governo do Sonho Georgiano se
recusou a aderir às sanções ocidentais contra Moscou pela invasão à Ucrânia e
aumentou o comércio com a Rússia.
O pesquisador alertou que, caso a insatisfação popular leve
à queda do atual governo, haverá uma grande chance de intervenção dos russos –
que já invadiram a ex-república soviética em 2008 e ocupam 20% do território da
Geórgia.
“No momento em que parece que o Sonho Georgiano está perdendo o controle do poder, há uma grande probabilidade de Moscou intervir – especialmente se a queda do governo for resultado de manifestações de massa, o que, na visão de mundo obsessiva do Kremlin, seria uma ‘revolução colorida’ [uma referência à Revolução Laranja na Ucrânia, entre 2004 e 2005] arquitetada por uma conspiração do Ocidente”, escreveu Coffey.