Ode à rainha: os triunfos de Rebeca Andrade na Oli…
A Olimpíada de Paris deixou à história do esporte algumas cenas memoráveis que, captadas pela potência das lentes modernas, exibem em detalhes aquele extraordinário movimento que extrapolou os limites humanos, seja pelo ineditismo, seja pela pura beleza que tocou os mortais na arquibancada. Mas nesses Jogos, que ocorreram sob a espetacular moldura da Cidade Luz, com todos os seus principais monumentos enfeitando a festa, um dos mais emocionantes momentos se desenrolou depois de uma competição, quando a batalha por medalhas já havia terminado. O palco era a Arena Bercy, onde o pódio espantou o público pela ordem dos fatores — no alto, com a medalha de ouro orgulhosamente pendurada no pescoço, estava Rebeca Andrade, a paulista de 25 anos e 1,55 metro que se agigantou e, contrariando as bolsas de aposta, venceu a prova do solo. Ninguém acreditou. Não que ela não tenha sido espetacular em suas piruetas sobre o tablado. A questão é que sua grande rival era a até então imbatível Simone Biles, 27 anos, a americana colecionadora serial de láureas douradas.
Naquele 5 de agosto, porém, Simone, até ela, errou uma, duas vezes, apesar da coreografia de um patamar de deixar a todos de boca aberta, ficando com a prata — e Rebeca, merecidamente, virou protagonista. Se terminasse ali, a história já seria de tirar o fôlego, tamanha a superação embutida, mas teve mais. Num gesto de admirável fair play, Simone uniu-se à também americana Jordan Chiles (à dir.), dona do bronze que acabaria perdendo para uma ginasta romena numa contenda judicial que ainda se arrasta. E ambas se dobraram para Rebeca, fazendo uma inesquecível reverência à decidida garota que saltou da pobreza em Guarulhos, com o impulso do irmão que sempre a conduzia aos treinos, não raro a pé, e da mãe, que criou uma prole de sete filhos sozinha, para se tornar a maior medalhista brasileira em torneios olímpicos, com seis delas. Durante as apresentações da ginástica artística em Paris, o ginásio esteve polarizado — a torcida de Rebeca de um lado e a de Simone, com estrelas hollywoodianas, de outro. No histórico pódio que consagrou a brasileira, embalada por gritos de “rainha, rainha”, só havia lugar para paz e talento.
Publicado em VEJA de 20 de dezembro de 2024, edição nº 2924