O jeitinho brasileiro do gigante francês
Allez Teddy, Allez Teddy! Com exclamação, porque assim a torcida francesa na Arena Champs-de-Mars recebeu o judoca Teddy Riner nas cinco lutas que o levariam ao ouro na Olimpíada de Paris na categoria de 100 quilos – a terceira dourada, depois dos títulos de Londres, em 2012, e Rio de Janeiro, em 2016. Nunca houve uma personalidade esportiva francesa tão carismática, capaz fazer da agressividade no tatame o chamariz para o apoio incondicional. Nas quartas-de-final, o georgiano Guram Tushishvili não engoliu o ippon que levou, deu um jeito de prender uma das pernas do adversário e o derrubou. Riner fez que reagiria, mas não. O derrotado, não quis nem saber, ensaiou prosseguir na briga. Deu treta. Quem, na face da Terra, teria coragem de desafiar “Teddy Bear”, o urso gaulês? Ok, Tushishvili tem 1m93 e fora das regras do judô até poderia ter alguma saída. Mas Riner mede 2m04, e então os ânimos se acalmaram.
A galera de bandeiras tricolores parecia estar em um circo romano, aos risos e berros com o rolo. Riner, que não é bobo nem nada, e sabe ser o ídolo que é, ergueu os braços como animador de claque. Ambiente de tanto calor, como esse, não tinha aparecido nos Jogos de 2024. Tudo porque Riner é o centro do mundo, e considerando-se que o mundo hoje está em Paris, não poderia haver ímã mais ruidoso. Há muito tempo, aliás, ele deixou de orbitar apenas no terreno do esporte. É figura de permanente presença na imprensa, modelo de grifes de moda como a Balenciaga, faz dezenas de campanhas publicitárias e já andou ensaiando carreira política. Vive hoje no Marrocos com a mulher, Luthna Plocus e os dois filhos, Isis e Eden. Habitam um quarto de hotel cuja diária chega a 4 500 euros, enquanto a casa que compraram em Marrakesh não fica pronta. As crianças estudam à distância. Criticam-no pela amizade com o rei Mohammad VI. O exílio marroquino foi um modo de poderem levar a vida com alguma tranquilidade, longe dos paparazzi, e Riner realmente não consegue andar por Paris sem que seja abordado, embora ele reaja com elegância a essa condição incontornável da fama. “As pessoas sempre foram respeitosas comigo”, disse. “Posso ir a uma padaria e comprar pão sem problema”.
Não é bem assim. Riner, nascido em Guadalupe, é famoso demais para flanar por Paris, e por isso vai zanzando pelo mundo, em busca de calma e de bons lugares para treinar, como em Marrakesh e no Brasil. O francês tem um apartamento em Copacabana, no Rio de Janeiro, e se diz um pouco carioca, de ligações sentimentais com a cidade. Ele foi campeão mundial pela primeira vez no Rio, em 2013. Depois, houve a vitoriosa campanha na Olimpíada de 2016. “Quando se tem uma história particular com uma cidade como o Rio, a gente acaba se apaixonando. Eu amo o Rio”.
Há outra motivação, de cunho técnico, de inteligência de um esportista que sabe onde colocar os pés e as mãos. Ele desembarcou no Rio para beber do jiu-jítsu brasileiro. Assim, nas palavras do monumental Teddy Riner: “Por que a gente vem aqui atrás do jiu-jítsu brasileiro? Por causa das transições, da luta em pé para a luta no solo, nos permite aprimorar a técnica, ganhar velocidade e vencer mais rápido no chão. O jiu-jítsu brasileiro agrega muita técnica o desempenho no chão”. Riner, o Muhammad Ali francês, mal precisou desse recurso ao vencer na Olimpíada dentro de casa, diante do presidente Emmanuel Macron na plateia, em sua primeira aparição numa prova em Paris. Ele ganhou medalhas em cinco olimpíadas sucessivas, feito que o iguala ao esgrimista Philippe Cattiau de 1920 a 1936. Em 23 lutas olímpicas venceu 21 – perdeu apenas nas quartas em Pequim e Tóquio. A França é de Teddy Riner.