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Um americano em Paris | VEJA

Houve o dia, em 4 de outubro de 1951, em que o mundo dançou com Gene Kelly na estreia de Um Americano em Paris. Houve o dia, aquele 18 de outubro de 1968, em que Bob Beamon saltou 8m90 no ar rarefeito da Cidade do México. No ano seguinte, em 19 de julho de 1969, Neil Armstrong pôs os pés da Lua. E então, em 10 de agosto de 2024, na Arena Bercy, em Paris, o armador Stephen Curry fez os 3m04 mais espetaculares da história do basquete – ele bailou, suas bolas fizeram parábolas como o corpo de Beamon, em cestas que pareciam revogar a gravidade. Foi espantoso. O placar anotava 82 para os Estados Unidos e 79 para a França quando ele marcou uma bola de três. A 2m10 do desfecho, 97 a 81, e lá foi Curry para mais uma de três. Faltando 1m43, 90 a 84 e chuá. Com escassos 55 segundos para o apito final, embora possa ser uma eternidade para o esporte, veio a derradeira obra prima, outro trio de pontos. De 93 a 87, saltou para 96. O final: vitória americana por 98 a 87, em partida que parecia duríssima, mas mudou com a genialidade do jogador do Golden State Warriors. Ele marcou 12 dos últimos 16 pontos. Foi o cestinha, com 24.

Ele urrava de alegria. Um a um, os atletas americanos repetiam o gesto iconoclasta de Curry, o “night, night”, com as mãos encostadas no rosto, como se pusesse todo mundo para dormir. As 20 000 pessoas do ginásio, em sua maioria franceses, é claro, aplaudiam em pé – e até esqueceram de vaiar Joel Embiid, do Philadelphia 76rs, de origem camaronesa, que no início do ano se mostrara disposto a receber a cidadania francesa para jogar pelos bleus da bola laranja, mas preferiu os Estados Unidos. O abraço com Victor Wembanyama, o galalau gaulês de 2m24, que finalmente fizera um grande jogo na Olimpíada, selava uma história inigualável. Nunca mais nunca é bom dizer – mas por meio de Curry, que já tem 36 anos, é difícil que se repita. É instante registrado numa fotografia que parece ter sido inventada, mas não. Ela tem Gene Kelly, tem Bob Beamon, tem Neil Armstrong – e tem Curry. Wembanyama parece voar, em perfeito balé corporal. Quer tocar a bola. Mas Curry, por força do tamanho – ele mede “apenas” 1m88 – , costuma levar a bola a curvas maiores do que o normal. Sobe, sobe e sobe a caminho da cesta. O tempo parece congelado na imagem. É um dos grandes marcos de Jogos extraordinários. É a Monalisa do maior pontuador de três pontos da história. “Foi um momento inacreditável”, disse o craque depois das pinturas, medalha de ouro no pescoço. “Tenho sido abençoado por jogar basquete em alto nível por tanto tempo”.

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