Perdão de Biden ao filho cria precedente
Ao anunciar o perdão presidencial ao seu filho Hunter Biden neste domingo (1º), o democrata Joe Biden se tornou o primeiro presidente dos Estados Unidos a conceder o benefício a um filho na história americana.
Em junho, um júri em Delaware havia considerado Hunter Biden culpado de acusações de que teria comprado e mantido em sua posse uma arma de fogo quando era viciado em drogas, um crime federal. Em setembro, ele se declarou culpado em outro processo, na Califórnia, onde foi acusado de não pagar US$ 1,4 milhão em impostos entre 2016 e 2019.
As sentenças nos dois casos seriam anunciadas este mês, mas Biden concedeu o perdão presidencial sob a alegação de que Hunter foi “tratado de forma diferente” pela Justiça federal americana por ser seu filho – ecoando um argumento do presidente eleito, o republicano Donald Trump, que alegou que os processos criminais contra ele tinham motivação política e eram uma “caça às bruxas”.
A Constituição americana permite que presidentes concedam perdão por crimes federais, exceto em casos de impeachment. O presidente que mais utilizou esse recurso foi o democrata Franklin D. Roosevelt, que, entre 1933 e 1945, concedeu 3.687 perdões presidenciais.
O caso que talvez tenha gerado mais repercussão foi o de Gerald Ford, que perdoou seu antecessor, Richard Nixon, em 1974, pelo escândalo de Watergate, que havia levado à sua renúncia.
No seu primeiro mandato (2017-2021), Trump concedeu 237 perdões presidenciais, dos quais o mais criticado foi o que beneficiou seu ex-assessor Steve Bannon, no caso de fraude e lavagem de dinheiro num projeto para angariar recursos para construir trechos de um muro na fronteira com o México.
Bannon se livrou de acusações federais, mas como o perdão presidencial não abrange processos nos tribunais estaduais, o ex-assessor de Trump acabou indiciado pelo mesmo caso na Justiça de Nova York em 2022.
No caso de Biden, além do uso do cargo para beneficiar um parente, o perdão a Hunter vem despertando reação porque desmonta o argumento democrata de confiança numa Justiça independente e de respeito a decisões judiciais – em junho, o presidente havia garantido que não concederia o benefício ao filho caso ele fosse considerado culpado no julgamento em Delaware.
E ocorre num momento em que o partido criticava a decisão de Trump de indicar o assessor Kash Patel, que prometeu “ir atrás” de inimigos do presidente eleito, para diretor do FBI.
“De certa maneira, Biden perdoar o seu filho no último mês de mandato é uma porta aberta para os críticos, porque ele está perdoando um criminoso que é o seu próprio filho, que realmente cometeu fraude fiscal. Então, toda aquela crítica que o próprio Partido Democrata fazia sobre uma questão meio purista, [de que] você tinha [no partido] pessoas com alto grau de pureza, que combatiam os criminosos, vai por terra”, afirmou Igor Lucena, economista, especialista em relações internacionais e CEO da Amero Consulting.
A posição de Biden foi criticada até por democratas. Jared Polis, governador do Colorado, divulgou um comunicado, que teve trechos publicados pela Fox News.
“Embora, como pai, eu certamente entenda o desejo natural [de Biden] de ajudar seu filho perdoando-o, estou desapontado que ele tenha colocado sua família à frente do país. Este é um mau precedente, que pode ser utilizado de forma abusiva por presidentes posteriores e, infelizmente, manchará sua reputação”, afirmou Polis.
No X, o deputado Greg Stanton discordou que houve motivação política nos processos contra Hunter. “Eu respeito o presidente Biden, mas acho que ele errou dessa vez. [O processo em Delaware] não foi um processo com motivação política. Hunter cometeu crimes e foi condenado por um júri de seus pares”, escreveu.
Entre os republicanos que criticaram a decisão, está o próprio Trump. “O perdão dado por Joe a Hunter inclui os reféns do 6 de janeiro, que estão presos há anos? Que abuso e erro de Justiça!”, escreveu na rede Truth Social, sugerindo que concederá o perdão presidencial aos condenados pela invasão do Capitólio, em janeiro de 2021.